A Sinfonia dos Malditos de Fassbinder


Em Fassbinder, opera a lei do dominante, seja pelo sexo, dinheiro ou amor. E os que não se encontram em tal posto, estão condenados ao sofrimento. Não há salvação. Até os seus personagens parecem ter ideia de sua predestinação ao fracasso, mas ainda assim lutam, até que não sobre mais nada. O amor realmente é mais frio que a morte, como prova, ele nos deu Petra von Kant, Peter, Elvir/Elvira e Fox, personagens fictícios e ainda assim tão reais quanto qualquer pessoa na rua. Se não é pelo dinheiro que vem a queda, é pelo amor. O orgulho se vai antes da queda, já anunciava o Precauções Diante de Uma Prostituta Santa (ou depois, no caso de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant). Tentar comprar o amor, como tentaram miseravelmente Peter, Petra von Kant e Fox, resultando em amargura e morte. De certa forma,  essa predestinação ao fracasso vem do histórico da Alemanha, resultando em uma espécime de nova geração amaldiçoada (tema que reverbera ainda mais em algumas de suas últimas obras como O Casamento de Maria Braun, O Desespero de Veronika Voss, Lola e Berlin Alexanderplatz). Se o amor está sempre destinado ao fracasso, a perda de força, então de certa forma, está relacionado a morte, como em Querelle, onde marinheiros lutam entre si, transitando entre o sangue, sexo e o homoerotismo em um dispositivo quase cênico, como em Petra von Kant.  


Com a queda vem o alcoolismo, como em O Comerciante das Quatro Estações, feito em sua fase inspirado pelos grandes melodramas de Douglas Sirk (pra deixar ainda mais clara a influência, o nome dele é citado na rua onde a protagonista de Martha habita), as cores são mais fortes, e os dramas ainda mais trágicos. Não há esperança (talvez exceto em O Medo Devora a Alma, não à toa inspirado no verdadeiro sonho materializado chamado Tudo Que O Céu Permite), o amor destrói mais do que salva. 


Quando não há amor ou quando a rotina não basta (se é que já bastou), vem a loucura, como no assombroso Por que deu a Louca no Sr. R? e Medo do Medo (onde Fassbinder praticamente transforma a depressão, angústia e ansiedade de uma dona de casa em um suspense Hitchcockiano com a música cortante que se mostra presente nos momentos em que Margot tem suas crises). Com o sufocamento burguês e moralista como grande opressor. A burguesia também mostra seu lado mais asqueroso em Martha, sobre um relacionamento sadomasoquista e opressivo entre a personagem título e seu marido com tendências praticamente nazistas, e em Roleta Chinesa, com uma família às avessas,  onde a filha controla os pais. Tanto em Martha, quanto  em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, dois filmes envolvendo relacionamentos doentios (como já anunciava nos créditos de Petra, “ein Krankheitsfall”), duas personagens travam diálogos bastante similares com a protagonista, referente a dominação e submissão, como se fossem elementos indispensáveis em um relacionamento a dois (e na filmografia de Fassbinder são). 


O barulho da metrópole, o silêncio completo ou as músicas de Leonard Cohen compõem praticamente quase que uma marcha fúnebre dos personagens rumo aos seus destinos fatais. “Tudo é predestinado”, declara Petra von Kant em um momento do filme, e é essa predestinação trágica que leva os personagens a resoluções melancólicas e ainda uma espécime de afago, seja no sorriso amargo de Petra , contentando-se com a sua solidão, seja no fim do sofrimento de Elvir/Elvira e Fox através da morte. Até os malditos merecem descanso.

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